Arte gráfica: G.C.R.
A pesquisa e a reflexão parciais sobre adolescentes podem levar-nos a enxergar apenas os desafios que surgem da realidade da convivência dos adolescentes no ambiente escolar. Sem desconsiderar tais aspectos, que também são importantes, é preciso deter-se nas possibilidades de convivência, de harmonia, de solidariedade, de respeito, de vida que é possível vislumbrar no ambiente escolar com adolescentes a fim de ampliarmos o nosso olhar, qualificar ainda mais as nossas percepções.
Para enxergar e trilhar tal caminho, faz-se necessário reeducar a ótica do nosso olhar sobre os adolescentes; retirar as traves que impedem de enxergar a beleza e riqueza existentes nessa fase da vida; desfazer antigas rotas de situações em que foram vistos apenas as mazelas ditas e realizadas pelos adolescentes nas escolas; reconsiderar, refletir e transformar as ideias pré-concebidas e repassadas como verdades pela grande maioria dos professores e funcionários das instituições escolares.
Eis o que diz Mário Sérgio Cortella sobre a educação do nosso olhar:
É imprescindível não recusar o encontro com a admirável presença de um mistério que ultrapassa a mim mesmo, minha vida e este próprio mundo, mas do qual, surpreendentemente, me percebo nele e dele participo. E, mais ainda, sei e sinto não estar sozinho. Afinal, ser humano é ser junto. (2004, p.17)
Ora, para possibilitar esse encontro é preciso mergulhar no oceano do contexto escolar, deixando-se levar pelo olhar da humildade que nos faz ver nos adolescentes a presença de valores que nem sempre vivenciamos, mesmo tendo a pretensão de acharmos que sabermos tudo da vida.
Não se faz necessário uma análise complexa e total para serem constatadas situações em que os adolescentes dão um “show” de exemplos de superação dos desafios, de pequenos e grandes gestos de solidariedade, de acolhimento, de perdão, de responsabilidade, de tolerância, de respeito. Infelizmente, para este tipo de “show” não há espaço na mídia e nem mesmo nos discursos e conversas.
Talvez seja a correria do dia-a-dia que provoca uma deficiência no olhar e impede de ver gestos simples e corriqueiros, mas que são profundamente ricos de significado e de vida. Deveria chamar à atenção dos educadores a maneira respeitosa e acolhedora, com que alunos de 6º ao 9º anos se comportam enquanto são apresentados trabalhos numa área aberta de certa escola.
Sim, deveria chamar à atenção dos adultos da escola a capacidade dos alunos adolescentes serem sensíveis às dores físicas ou emocionais dos seus colegas, sobretudo quando eles abrem mão de um momento tão precioso, como o intervalo, para mostrar a sua solidariedade.
Por que não chama a atenção dos professores o fato de alguns alunos abrirem mão das suas ideias e propostas (também interessantes e possíveis de serem realizadas) e passam a aceitar como melhores e mais viáveis as ideias dos professores após um diálogo numa sala de aula? Deveria surpreender a capacidade de diálogo.
E o que dizer de algumas campanhas de solidariedade que são promovidas entre os alunos? Diga-se de passagem, em muitos casos, quem menos tem é quem mais quer dar. Mesmo quem não tem condições de oferecer coisas materiais em grande quantidade, dá o pouco que tem e também doa o seu tempo para ajudar a organizar as doações com disposição, prazer e alegria.
Do ponto de vista humanizador, defende-se a adolescência como o começo de um despertar para um mundo novo onde é possível ser ator/atriz principal da própria vida e, consequentemente, adquirir a capacidade de poder mudar a história. Por isso, como diz Paulo Freire (2002), “a prática educativa é tudo isso: afetividade, alegria, capacidade científica, domínio técnico a serviço da mudança ou, lamentavelmente, da permanência do hoje”.
Nessa mesma linha de raciocínio, na Revista Diálogo (2005, p.38), a autora do artigo Educando Corações e Mentes, cita Laez Barbosa Fonseca, que formula uma rica e singela conceituação de valores: “Valores são luzes que orientam as pessoas. São referenciais de vida humana. Ser pessoa significa conduzir a própria vida”. Por isso, é de suma importância o papel do educador nesse processo de humanização. Contudo, não se deve perder de vista os valores que o adolescente já traz consigo.
Conviver e trabalhar com adolescentes me leva a buscar, cada vez mais, entendê-los, compreendê-los e, sobretudo, colaborar no projeto de transmitir alegria, paz, entusiasmo, educação, igualdade de direitos, justiça, respeito, soma das diferenças individuais... Além de denunciar tudo o que impede o percurso dinâmico da vida.
Laugrinei Pereira
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Referências
CORTELLA, Mário Sérgio. A transcendência se mostra... Educamos nosso olhar? Diálogo, São Paulo, n.34, p.14-17, Mai. 2004.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. Saberes necessários à prática educativa. 30ª. ed., São Paulo: Paz e Terra, 2002
SILVA, Yvone Maria de Campos Teixeira da. Educando corações e mentes. Diálogo, São Paulo, n.37, p.38-41, Fev. 2005.
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